Psicoterapia de técnicas integradas – Um paralelo de horizonte e horizontalidade

I.
Para iniciar, um brevíssimo apanhado histórico, consciente que omito vários nomes. Vale a lembrança que, já na década de 20 Sandor Ferenczi propôs uma “técnica ativa”, onde o pressuposto era uma interação maior do par terapêutico. Na década de 40, Alexander nos fala de “Reeducação Emocional”, e postula o Conceito EEC: “Experiência Emocional Corretiva”. Na Década de 60, Malan (na Tavistok de Londres) e Sifneos (no Massachussets Hospital em Boston) apregoam uma técnica de “Psicoterapia breve conjuntamente a uma abordagem dinâmica”. A lista seria demasido longa. No Brasil, A psiquiatra e psicóloga Vera Lemgruber é atualmente um dos principais nomes a postular uma terapia breve e integrativa.

II.
Alguns conceitos da ciência, nesse meio tempo, foram sofrendo sucessivos indícios de defasagem, até que sucumbiram. Por exemplo: a polarização entre corpo X alma, cérebro X mente, o biológico versus o psicológico. Essas assertivas ficaram totalmente ultrapassadas. Um dos autores a transitar nessa área é António Damásio, português que reside nos Estados Unidos, autor, entre outros livros, de “O Erro de Descartes”. Sempre cito o exemplo da lágrima: a emoção na origem, a química no entremeio, o resultado físico – nos dois sentidos – ao final.

III.
Vamos traçar alguns paralelos entre a evolução da ciência e a evolução da arte. A ciência vive basicamente de sobreposições. A verdade de ontem não será a verdade de amanhã, pois isso significaria que o humano teria atingido o conhecimento pleno de tudo. Já a arte não sofre do mesmo processo: cada novo ciclo não destrói o anterior, a arte se amplia horizontalmente, como um elástico infinito, como uma linha do horizonte que costurasse cada nova obra, e que fizesse desse efeito, o seu melhor tecido. Ou seja: a arte nova não se contrapõe à arte anterior: o espaço para o novo não destrói a arte anterior, se realmente arte. Voltaremos em breve com esse paralelo.

IV.
A questão principal em técnica psicoterápica é simplesmente o como realizar mudanças de comportamento, quando a questão é esta. E podemos pressupor que a maioria dos pacientes que nos procuram têm essa meta em mente, embora raras vezes alguém procure terapia dizendo que está iniciando o tratamento apenas para “se conhecer melhor”. A experiência mostra que, no mais das vezes, não é bem assim: logo nas primeiras entrevistas percebemos uma ou mais conflitivas, ou mesmo sintomas que configuram o quadro específico de diagnóstico. As fórmulas deste conhecer-se proliferaram incrivelmente nas últimas décadas. Basta ver o número de livros de auto-ajuda e o número de livros publicados por ano com dietas deste ou daquele segmento. E possivelmente os conselhos contidos nos livros, sejam bons e pertinentes. O que eles não podem ensinar é como segui-los, como levar adiante as orientações. Em resumo: o humano muitas vezes sabe o que deveria fazer. A dificuldade maior reside em como fazer o plano ir adiante.

V.
Acontece que nossa formação, desde criança e desde sempre, funciona de um humano para outro. Sabemos que comprar um curso de inglês com cds para praticar em casa, ou comprar aparelhos de ginástica na ilusão de que nossa força de vontade será suficiente para que o plano avance costumam transformar bicicletas ergométricas em cabides. Pelo menos é assim na maioria absoluta das vezes. Aí que é está. Por que teriam surgido os personals? Porque um humano precisa de outro humano para orientá-lo, quando o projeto é sério. Vale para dietas, para cursos, para supervisões e outros etcs. Fomos educados assim na infância. Antes disso, os gregos já apregoavam que o melhor remédio para um humano é outro humano.

VI.
Quando, na antiguidade, o aprendizado era um aluno por mestre, havia um aproveitamento beirando os 100% (Ex.: antes da revolução industrial: aprendiz / sapateiro). Atualmente, um professor não é mais um educador,  com raras exceções. Ensinar, do latim en (in) sign are = colar um signo (informação) dentro de (alguém). Educar =  ed (ad )ucs are = caminhar (seguir) ao lado de (alguém).A diferença é enorme.

VI.
A terapia pode ser considerada, ao menos nesse sendido, em uma “retomada ao educar”. Sem a conotação moral e cívica, claro, mas com aquela condição próxima do ideal: um para um. A questão da ou das técnicas, confluentes ou não, tendem a um mesmo propósito. Sumária e até simplistamente, podemos dizer que ênfase da Psicanálise é no passado; e a ênfase das demais ténicas de comportamento é no futuro. Daí uma discussão, que não cabe aqui no momento, sobre uma “política de resultados”. Sabemos o quão difícil saber o que realmente funcionou na terapia. Difícil saber porque funciona em uns e não em outros. Sabemos apenas o básico: resistência, motivação ao tratamento, modo de abordagem, etcs. Mas, claro, isso é apenas uma porção, é a terminologia que foi já dicionarizada por nossos autores, por ser relativamente mensurável, pelos indícios que o próprio paciente fornece. 

VII.
Voltamos ao paralelo com a arte. Retomo que na ciência, as verdades têm certa durabilidade. E com o avanço mais rápido da ciência, essas verdades tendem a ser menos duradouras. Já um quadro ou um livro ficcional não estão nem estarão certos ou errados. Eles funcionam ou não funcionam, esteticamente, e pronto. Mesmo que surjam outras técnicas de pintura, estas não ofuscam os quadros renascentistas ou do impressionismo. Já em ciência, quando retroagimos, é apenas para retomar algo esquecido, ou pouco falado. Por exemplo, quando buscamos na filosofia ou os mitos gregos um indício para batismo ou referendum. Mas em ciência, quando mudamos o paradigma, a verdade atual simplesmente engole a verdade anterior.

VIII.
Essa questão do avanço no campo científico é fácil de explicar quando a ciência em questão é mais palpável, e mensurável. Uma técnica cirúrgica, por exemplo, dura apenas enquanto não surgir outra melhor, com menos riscos, menos invasiva e com melhores resultados. E quando surge essa nova técnica, os cirurgiões migram para ela. A técnica anterior serve apenas para história. Lobotomia, por exemplo. Rendeu um Prêmio Nobel, mas depois...

IX.
Em nosso campo específico, pela subjetividade e pelos inúmeros componentes individuais que habitam o campo de uma psicoterapia, o problema é muito mais complexo. Talvez more entre a sobreposição científica da ciência e o acúmulo horizontalizado da arte, o funcionamento por agregação. O novo não engole o velho. Acho que moramos nesse meio-do-caminho. O campo psicoterápico, com tantos escritos subjetivos e tantas idéias, creio que aproxima nossa atividade mais da filosofia e quem sabe, até da arte, ao menos enquanto artesanato. E uma idéia nova, não nescessariamente desmente a anterior. Às vezes só troca o ângulo. Dentre inúmeros exemplos, Arnaldo Raskovski não desmentiu Freud ao enfocar o Complexo de Édipo pelo ângulo filicida.

X.
Não postulamos uma arte psicoterápica, claro, no sentido irrestrito e cabal do termo. Mas podemos afirmar que, no mínimo, os estilos pessoais, a personalidade do terapeuta, suas crenças, seu modo de ser e agir no sentido amplo são diferenciais inegáeis e inequívocos. Se admitimos que uma frase influencia outra pessoa até pelo tom de voz, que é apenas forma, imaginemos então quando vamos ao conteúdo! Dois terapuetas que tenham estudado exclusivamente os mesmos livros, e que tenham tido os mesmos supervisores, a mesma formação acadêmica e sigam a mesmíssima linha, mesmo assim serão diferentes. Terão diferenças técnicas e de estilo. É inegável que a visão de mundo, e uma boa dose de talento irão fazer uma diferença gigantesca. E a questão da inteligência, em nosso fazer, também é um fator que em outras áreas não é tão relevante.

Os próprios cirurgiões têm uma piada: a de que um macaco bem treinado poderia operar. Porque o ato cirúrgico é repetir, repetir, repetir. Há pouco espaço para criatividade. Já uma entrevista nunca é igual à outra. Como uma partida de xadrez. É irrepetível, com exceção dos enxadristas iniciantes, que podem levar um xeque-mate em poucos lances (O cheque mate pastor). Vale o paralelo com um terapeuta iniciante, pela sua falta natural de recursos. Dito de outra forma: todos podem ter acesso às técnicas de jogar xadrez. Mas dominar a técnica, estudar livros de xadrez, não faz, por si, um grande enxadrista. O xadrez é um dos tantos exemplos de técnica e talento. Assim há inúmeros, como literatura, música, pintura. Pode-se escrever bem, tecnicamente. Mas o enredo, a verossimilhança, a capacidade de emocionar não se encontram nos livros de técnica nem nas oficinas literárias. (Art/arts vem do grego Tecn). A partir daí, palavras como artefato e outras mostram esta confluência. Ouvi do Eduardo Kalina um axioma: “El psicoanalista no se hace, nasce”.  

XI.
Ou seja: às vezes falamos em técnica, mas queremos dizer estilo. E questões mais complicadas como talento e inteligência raramente vêm à tona. A propósito: em latim intus legere = capacidade de ler por dentro. Essa palavra me parece resumir nossa atividade. Temos que ler por dentro. Um labor de entrelinhas. E não há como negar que há pessoas mais talhadas que outras para a tarefa. Como um pianista clássico, formado no melhor conservatório do mundo, pode ser exímio na técnica, e mesmo assim não ser considerado um grande pianista. Falta aquilo que os espanhóis batizaram de “el duende”.

XII.
Ao acompanharmos o nível de evolução dos animais, há uma relação clara com suas capacidades de erro e nível evolutivo. Peixe não erra* No topo, o homem. Erra muito, mas é o mais inteligente dos bichos, pq aprende com erro. Ou seja: é maleável!

Se no topo estão os bichos maleáveis, que se adaptam na sua conduta, o que dizer de técnicas rígidas? Querer que o paciente se adapte a determinada técnica e não ao contrário, é no mínimo estranho. Mas vejamos: quando se domina uma só forma de agir com o paciente, acabamos por forçá-lo, mesmo que no fundo saibamos que a conduta não é a melhor.* (Encaminhar? Qtos encaminham?)

Um provérbio latino diz que “se tua única ferramenta for um martelo, só verás pregos na tua frente”. Santo Agostinho dizia: “Cuidado com o homem de um livro só”. Ou seja, lendo só um autor, casando-se com uma só forma de tratar, estamos nos estreitando e comprometendo o resultado. E no resultado está a vida do paciente; a confiança que ele deposita em nós é próxima de um filho ao pai, de um irmão a outro. O normal seria o terapeuta adequar-se, dentro do possível, às necessidades do paciente, e não faze-lo adaptar-se na marra, muitas vezes, à nossa precária e as vezes única ferramenta. Lembrem o Divã de Procusto.

XIII.
Voltando a capacidade de errar e assimilar, o aprender X apreender. Se, por um lado, uma única técnica pode engessar o terapeuta, é inegável que ela é imprescindível para oferecer o norte, o rumo para o menor número de atuações possíveis. Mesmo que isso custe, no início, uma certa limitação do seu potencial criativo, é imperioso que ele primeiro domine a regra para só depois avaliar o quando e como da exceção. Mesmo uma técnica única. Só depois de dominá-la, mesmo que durante algum tempo ele mesmo se perceba um terapeuta burocrático, poderá sentir-se mais confortável, tirar um pouco do gesso, pois talvez os ossos do verbo estejam alinhados, e assim não cometerá tantos equívocos. O terapeuta no início errará menos se seguir regiamente o manual. Mas depois, deve consultar outros manuais.

XIV.
Alguns pressupostos são comuns a todas as técnicas, pelo simples fato de serem as condições mais próximas das humanas. Por exemplo, aliança terapêutica, vínculo, empatia, catarse (vide Aristóteles), aprendizado, insight, algo de confronto e outras mais. Estas condições ou fatores estão em universalidade porque são essencialmente humanas.

Na literatura encontramos a mesma coisa. Mudamos um nome aqui outro ali.  Com o nome de verossimilhança*, É umconceito dentro do contexto e vice-versa. Falando nisso: (S. Thomas de Aquino – mosteiro – contar a história) - tudo que está em uma boa ficção tem que ser verossímil.

Freud teve poucos pacientes. Buscou na Literatura, Mitologia e filosofia. Na mitologia com seus personagens atemporais e nos personagens literários que fundamentou boa parte de sua obra. Outra fonte Freudiana foi a obra de Darwin, praticamente contemporâneo, que ajudou-o a formatar um “animal humano” amoral e não tão diferente de outros mamíferos. 

XV.
Assim como as artes passam por períodos e escolas, ocorre o mesmo com a psicoterapia. De tempos em tempos surgem escolas com normas (no caso da psicoterapia, linhas ou técnicas). Mas quais delas serão realmente eficazes? De tempo em tempo surge alguém trazendo como novidade um conceito grego de 2500 anos atrás, mudando o nome e maquiando um pouquinho. Exemplos: aos montes. Síndrome do Pânico é a velha Neurose de Angústia do Tipo Agudo, descrita por Freud. A última novidade que escutei esses tempos foi que há homens metrossexuais. Mudaram o nome do narcisismo e pronto: uma novidade! Um novo fenômeno cultural dos tempos atuais!!

Então, não postulamos um novo tipo de psicoterapia. Como na literatura, o tempo dirá o que vai sobreviver. Um exemplo disso são os contos infantis. Publicam-se por ano milhares de novos títulos, que sequer chegam a uma segunda edição. Seguem as leituras e releituras de Branca de Neve, Pinóquio, Chapeuzinho Vermelho, e tantos outros. Para se tornar um clássico e atravessar o corredor do tempo, há que traduzir o inconsciente. Ler por dentro. Esta é a forma de a literatura ser e mostrar-se útil, independente da técnica do escritor em si. Por um lado ele, escritor é o instrumento. Ela, a literatura, o meio onde se estrutura a comunicação. E o resultado final se lê, mesmo, com o transcurso do tempo. Essa realidade se transpõe a psicoterapia sem necessidade de grandes ajustes. 

XVI.
O que seriam os equivalentes para as Escolas Literárias, seriam para nós terapeutas, as linhas. Algum tempo atrás, o autor que não pertencesse a nenhuma escola literária, (a escola da época) era automaticamente posto de lado. Assim foi no parnasianismo, no arcadismo, simbolismo e assim por diante. A época atual faz com que os autores não pertençam a nenhuma escola, porque o tempo é de não-escola literária. Se a obra realmente mostrar a que veio, sobreviverá. Novas técnicas, neste ou naquele campo, também. Porque a base de tudo vem dessa interação: um humano e outro humano. O modo de escolher como se vai fazer essa abordagem, ou conversa, ou entrevista, ou que nome tenha, estará sempre trocando de nome. Às vezes por aprimoramento, outras simplesmente por mudar.* (Congresso de anatomistas!)

Mas desde os hospitais gregos (o mais famoso ficava em Epidauro) temos na escuta do paciente a maior arma. Inclusive lá e em alguns locais do antigo Egito havia pessoas que anotavam os sonhos dos pacientes, pela manhã, para ver se havia alguma relação desses sonhos com a vida real, que sinais poderiam estar trazendo à tona.

Assim como o escritor deveria ter uma escola, cada terapeuta deveria ter uma linha. No pior sentido do termo. Não ter linha significava estar alienado. Quase declarar-se ateu em plena idade média. E muitas vezes ter a tal linha significava: só li isto. Então o resto não me interessa. Não li e não gostei. *(Com Freud, vi muito isso). Valem alguma ressalvas para diferenciar técnica de estilo. Na técnica, temos que muitos erraram antes de nós para que errássemos menos. O estilo é um convite pessoal e intransferível para o fazer psicoterápico de cada um.

XVII.
Uma das dificuldades por que passa o momento das psicoterapias é exatamente sua pluralidade. E também o que definir como Técnica. Quais desses movimentos todos e dessas teorias tantas, serão agregadas realmente no futuro da psicoterapia. Retomo a arte, para comparação. Seria como definir o que é arte. Até o renascimento, era fácil, pois os autores eram unânimes em dizer que a arte buscava o belo. Isso Duchamp e seu famoso penico, que “A Arte é todo objeto deslocado de sua função original”. Assim, uma cadeira pendurada em uma parede está desviada de sua função. Logo, é arte. E se colocarmos um papel higiênco, um capacete militar e uma pomba em cima do capacete, pronto! Cabem mil interpretações. Temos material para o crítico que entende tudo e para os arautos da psicanálise selvagem. E nos falta coragem para dizer que o rei está nu.

XVIII
Dos quase 400 tipos de psicoterapia já catalogados no mundo, o que será realmente sério? Será que existem tantas técnicas para fazer algo, no fundo, simples? Ou, na realidade, o que funciona mesmo é não mais que meia dúzia de opções, e a combinação delas é que faz a diferença? Lembro que para compor a melhor sinfonia são necessárias 7 notas apenas. É a combinação delas que faz a diferença. Ninguém pode predizer quando o silêncio, quando o alegro, a melodia, o ritmo, o modo de tocar e ser tocado. Seria o caso de postular que uma nova música venha a precisar de 374 notas? 

XIX
Terapia é um o que dizer, quando dizer e como dizer. E com os silêncios, e com o saber o que se quer com cada intervenção. Não podemos reinventar a roda, nem a arquitetura. Aliás, o silêncio está para a música assim como as janelas estão para artquitetura, nos Murray Chapper em seu livro “O Ouvido Pensante”.

Que dessas janelas possamos ficar mais arejados, menos engessados. Claro, um dos efeitos colaterais desse postulado é separar, como no caso da arte, o que realmente faz sentido do que é enganação. A pós-modernidade e a falta de critérios nos deixou um tanto à mercê do vale tudo. Prefiro não falar de técnicas de vidas passadas, florais e por aí afora, por entender desnecessário.

XX.
Aissim, para encerrar, creio que vai sobreviver o que retomar a filosofia em seu nascedouro, o entendimento e retomada de um humanismo no sentido literal, temperando assim um terapeuta afetivo e efetivo. Atender e entender vem da mesma raiz semântica. Assim como do latim sapore derivam saber e sabor. J. Luis Borges nos diz que “todas as teorias são interessantes e não têm nenhum valor. O que importa é o que fazemos com elas”.

Finalizo: a estrela polar está para o norte e a noite do navegante assim como, antes de tudo, o bom senso está para o terapeuta, em qualquer tempo, em qualquer técnica.